Resumo Executivo
Este relatório apresenta uma análise aprofundada da complexa situação venezuelana em 2025. O governo de Nicolás Maduro demonstra uma aparente consolidação política, reforçada por vitórias eleitorais recentes e por uma oposição visivelmente fragmentada. Contudo, o país continua a enfrentar uma severa crise socioeconômica e humanitária, marcada por uma contradição flagrante entre o crescimento oficial do Produto Interno Bruto (PIB) e o colapso dos serviços públicos. A dinâmica geopolítica com os Estados Unidos, caracterizada por sanções econômicas e uma presença militar regional, serve como um motor central para a retórica e as políticas internas do governo.
As principais conclusões deste estudo indicam um fenômeno de “recuperação sem desenvolvimento”, onde o crescimento econômico, embora reportado em números robustos, não se traduz em uma melhoria tangível na qualidade de vida da maioria da população. O governo de Maduro tem utilizado a narrativa da “ameaça externa” como ferramenta para justificar seu controle sobre o poder, aprovar leis que criminalizam o apoio às sanções e solidificar o apoio das Forças Armadas. Por sua vez, as sanções americanas, ao privarem o Estado de sua principal fonte de renda, exercem um efeito de “punição coletiva”, exacerbando a crise humanitária e o colapso dos serviços. Isso, de forma cíclica, reforça a narrativa anti-imperialista do governo. Finalmente, a oposição, ao adotar estratégias de boicote eleitoral, cedeu terreno político e institucional de forma significativa, o que permitiu a consolidação do poder chavista em todas as esferas do governo.
1. A Consolidação Política do Governo de Nicolás Maduro
A paisagem política da Venezuela em 2025 é definida por um regime que tem demonstrado uma notável capacidade de fortalecer seu controle, capitalizando tanto suas alianças estratégicas quanto as falhas táticas de seus adversários internos.
1.1. O Cenário Pós-Eleitoral de 2024: Reeleição e Consequências
O presidente Nicolás Maduro foi reeleito para um terceiro mandato em 28 de julho de 2024, em um pleito que o governo afirmou ter vencido com 51,2% dos votos válidos. A vitória, no entanto, foi prontamente contestada pela oposição, por diversas organizações internacionais e por vários países, que levantaram acusações de fraude. A credibilidade do processo foi minada, em grande parte, porque o Poder Eleitoral não publicou os dados detalhados da votação, apesar das denúncias.
A reeleição de Maduro foi celebrada por uma rede de aliados internacionais que inclui potências como Rússia, China e Irã, além de parceiros regionais como Cuba e Bolívia. Esses laços, em grande parte forjados durante o governo de Hugo Chávez, oferecem um suporte econômico, militar e diplomático crucial, contribuindo para a sustentação do regime e para sua capacidade de resistir à pressão ocidental. O Brasil, por exemplo, tem buscado uma via pragmática, retomando voos diretos e participando como mediador nas negociações eleitorais de 2024. O papel de mediação do governo brasileiro foi decisivo no acordo que permitiu a realização das eleições de 2024, resultando na suspensão de sanções e na libertação de alguns presos políticos.
1.2. A Divisão e a Estratégia Falida da Oposição
A oposição venezuelana em 2025 é caracterizada por uma profunda fragmentação, dividida entre aqueles que defendem a abstenção eleitoral e aqueles que acreditam na disputa por espaço institucional. O setor liderado pela ex-deputada María Corina Machado adotou a estratégia do boicote, visando deslegitimar o processo eleitoral.
No entanto, essa abordagem foi descrita por analistas como “falida”. Ao não participarem, a oposição cedeu território político e institucional, permitindo que o chavismo obtivesse vitórias expressivas em todas as esferas do poder. Um ano após a reeleição de Maduro, o governo consolidou sua maioria na Assembleia Nacional e nas assembleias estaduais, e conquistou uma vitória avassaladora nas eleições municipais de 2025, vencendo em 285 das 335 cidades em disputa. A falha da oposição em apresentar uma frente unida e uma estratégia coesa permitiu ao governo ocupar o vácuo de poder e legitimar suas vitórias, mesmo em meio à desconfiança generalizada sobre a lisura dos pleitos. A estratégia de boicote, vista como radical por uma parte do eleitorado, afastou eleitores que ainda desejavam votar, o que permitiu que o governo, com sua base de apoio mobilizada, vencesse com facilidade em todos os níveis institucionais. A consolidação do poder legislativo e local permite que o governo aprove leis que reforçam seu controle, como a que pune o apoio a sanções internacionais, visando diretamente figuras de oposição. A incapacidade da oposição de disputar o poder de dentro do sistema resultou na perda de sua capacidade de influenciar as políticas públicas e de proteger seus membros da perseguição política.
2. Análise Socioeconômica: Discrepâncias e Consequências
A situação econômica e social da Venezuela é marcada por profundas contradições, onde indicadores macroeconômicos não refletem a realidade diária da população.
2.1. O Paradoxo Econômico: Crescimento do PIB vs. Crise Persistente
O presidente Maduro anunciou um crescimento de 7,71% no PIB no primeiro semestre de 2025, marcando o 17º trimestre consecutivo de alta, impulsionado pelos setores de hidrocarbonetos e mineração. A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) projeta um crescimento de mais de 9% para a Venezuela, o maior da região. No entanto, esses dados oficiais contrastam com as projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), que, em diferentes relatórios, previu tanto uma contração de 4% quanto um crescimento de 3% para o país em 2025. A discrepância é ainda mais gritante quando se consideram as taxas de inflação, que em abril de 2025 foram de 18,4% mensais e 172% anuais, evidenciando uma hiperinflação ainda galopante.
A aparente recuperação econômica é, na realidade, um fenômeno de “crescimento sem desenvolvimento”, onde a melhoria dos indicadores macroeconômicos não se traduz em uma melhoria da qualidade de vida da população. O crescimento percentual do PIB, embora robusto, ocorre sobre uma base extremamente deprimida, após uma contração econômica de mais de 75% entre 2013 e 2021. O crescimento, concentrado nos setores de petróleo e mineração , beneficia uma elite restrita e não atinge a maioria da população, que continua a enfrentar a hiperinflação e a escassez de serviços. A narrativa governamental de que o país agora “produz para se abastecer” e que a produção nacional de alimentos atende a 97% do consumo é desmentida por relatórios que indicam que 5,1 milhões de pessoas ainda sofrem com insegurança alimentar e dependem de ajuda humanitária. O fato de os dados oficiais serem seletivos e servirem a uma agenda política, desconsiderando a desigualdade e a crise social, aprofunda a desconexão entre a percepção do governo e a realidade vivida pelos cidadãos comuns.
A tabela a seguir ilustra o paradoxo entre os dados econômicos oficiais e a crise humanitária persistente.
Indicadores Socioeconômicos da Venezuela (2025) | Valor | Fonte |
Crescimento do PIB (1º semestre) | 7,71% | |
Crescimento do PIB (projeção CEPAL) | +9% | |
Projeção do FMI para o PIB (contradição) | -4% ou +3% | |
Taxa de Inflação Mensal (Abr/25) | 18,40% | |
Taxa de Inflação Anual (Abr/25) | 172% | |
População em Pobreza Multidimensional | >20 milhões | |
População com Necessidades Humanitárias Graves | 14,2 milhões | |
População com Insegurança Alimentar | 5,1 milhões | |
Refugiados e Migrantes (desde 2014) | >8 milhões |
2.2. O Colapso dos Serviços Públicos e a Privatização Informal
O colapso dos serviços públicos é uma realidade diária que força a população a adotar estratégias extremas de sobrevivência. O Estado não consegue prover serviços essenciais como água e eletricidade de forma regular, o que levou a uma “privatização” de fato, embora caótica e informal, onde os cidadãos precisam arcar com os custos de soluções de mercado para o que deveria ser um direito básico. Yusmary Gómez, por exemplo, gasta metade do seu salário de $30 por semana apenas para comprar água engarrafada para beber e cozinhar.
A crise energética, agravada por uma severa seca que impactou os reservatórios de hidrelétricas, levou o governo a reduzir a jornada de trabalho para funcionários do setor público, que agora trabalham apenas três dias por semana, em um horário reduzido. No setor de saúde, a situação é igualmente precária, com hospitais relatando falta de médicos, medicamentos e de acesso a serviços essenciais. A desnutrição infantil atinge taxas alarmantes, com profissionais de saúde reportando que entre 18% e 40% das crianças internadas estão desnutridas. A falência do Estado em prover serviços básicos aprofunda a pobreza e a desigualdade. A “privatização informal” da vida cotidiana impõe um fardo financeiro insustentável para a maioria da população, que já vive em extrema pobreza com um salário médio de $150 mensais. O colapso da infraestrutura é uma consequência direta da falta de investimento, que por sua vez é agravada pelas sanções que impedem o acesso a crédito e a peças de reposição. Este ciclo de escassez e custo de vida elevado é um dos principais motivos que levam as pessoas a buscar refúgio em outros países. O colapso dos serviços públicos, portanto, transforma a crise econômica em uma crise humanitária de proporções massivas.
2.3. A Crise Humanitária e a Fuga em Massa
A crise migratória da Venezuela é uma das maiores crises de deslocamento do mundo. Estima-se que mais de 8 milhões de venezuelanos tenham deixado o país desde 2014, sendo que a maioria se estabeleceu em países da América Latina e do Caribe. A vida para a população que permaneceu no país também é extremamente difícil, com cerca de 70% vivendo em pobreza multidimensional e 5,1 milhões de pessoas sofrendo de insegurança alimentar. Relatórios indicam que as pessoas são forçadas a adotar estratégias extremas de sobrevivência, como pular refeições ou trocar alimentos por sexo. A ajuda humanitária internacional é insuficiente, com o Plano de Resposta Humanitária da ONU subfinanciado, tendo recebido menos de 28% dos recursos necessários no início de dezembro. A crise migratória é a manifestação mais dramática da interdependência entre a crise econômica, o colapso dos serviços e as sanções. A falta de dignidade, o acesso precário a alimentos e saúde, e a ausência de perspectivas de futuro são os principais catalisadores do êxodo. A combinação de hiperinflação, salários baixos e a falta de serviços essenciais torna a vida insustentável para a maioria dos venezuelanos. O baixo financiamento da ajuda humanitária demonstra que a comunidade internacional não tem conseguido suprir o vácuo deixado pelo Estado venezuelano. A migração em massa é, portanto, a única rota de escape para milhões de pessoas.
3. A Influência e a Presença dos Estados Unidos
A política de “pressão máxima” dos Estados Unidos contra a Venezuela tem um impacto direto e profundo na dinâmica interna do país, servindo como uma ferramenta de coerção econômica e uma justificativa para a retórica política do governo de Maduro.
3.1. O Instrumento de Sanções e seu Impacto
O impacto econômico das sanções lideradas pelos EUA é alarmante. Um relatório do CEPR aponta que a Venezuela perdeu um total de $226 bilhões em receitas de petróleo entre 2017 e 2024, uma quantia equivalente a 213% do PIB do país. O governo de Maduro, por sua vez, estima que o impacto total no PIB, entre 2015 e 2022, foi de $642 bilhões. As sanções de 2017 proibiram o governo venezuelano de contrair empréstimos nos mercados financeiros dos EUA, impedindo a reestruturação da dívida externa e a recuperação de uma recessão profunda. As sanções de 2019 foram ainda mais severas, cortando a Venezuela de seu principal mercado de petróleo (os EUA) e congelando bilhões de dólares em ativos no exterior, como a subsidiária Citgo.
O custo humano dessas medidas é descrito como uma “punição coletiva da população civil”, resultando em mais de 40.000 mortes adicionais entre 2017 e 2018. As sanções exacerbaram a crise econômica e tornaram praticamente impossível estabilizar a economia, ao impedir a importação de bens essenciais, como alimentos e medicamentos. Embora o objetivo declarado seja pressionar o governo, o seu principal efeito é punir a população e minar a capacidade do Estado de funcionar. O governo de Maduro capitaliza essa situação, culpando os “inimigos externos” por sua própria má gestão. Essa narrativa da “punição coletiva” reforça a coesão interna do regime e justifica medidas como a aprovação de uma lei que criminaliza o apoio às sanções, visando diretamente a oposição.
A tabela abaixo detalha o impacto quantificável das sanções econômicas.
Impacto Econômico e Humano das Sanções dos EUA (2017-2025) | Valor | Fonte |
Perda de Receita Petrolífera (2017-2024) | $226 bilhões | |
Perda de Receita Petrolífera (% do PIB) | 213% do PIB | |
Impacto Total no PIB (2015-2022) | $642 bilhões | |
Ativos Congelados (Ex: ouro, Citgo) | bilhões de dólares | |
Mortes Adicionais Estimadas (2017-2018) | >40.000 |
3.2. Presença Militar e a Doutrina de “Pressão Máxima”
A pressão americana não se restringe apenas ao campo econômico. Em agosto de 2025, os Estados Unidos mobilizaram uma grande força naval e aérea, incluindo um submarino de ataque com propulsão nuclear e mais de 4.000 fuzileiros navais, para o Caribe e águas próximas à Venezuela. A justificativa oficial para a operação foi uma ofensiva contra o tráfico de drogas, com o governo Trump classificando os cartéis como “narcoterroristas” e ligando-os ao presidente Maduro. O Comando Sul dos EUA (SOUTHCOM) lista a Venezuela como um “ator maligno regional” em sua área de responsabilidade e foca em “deter e degradar atividades malignas”.
Em resposta a essas demonstrações de força, a Venezuela realiza exercícios militares anuais, como o “Escudo Bolivariano”, mobilizando cerca de 150 mil militares para afastar ameaças externas. O governo de Maduro utiliza essa postura para alertar contra planos de desestabilização interna e externa, consolidando sua base de apoio. A presença militar americana na região, sob o pretexto de combater o narcotráfico, é um exemplo de “guerra de atrito” de baixo custo, que visa manter a pressão e a ameaça sobre o regime de Maduro sem a necessidade de um conflito aberto. Cada ação dos EUA é usada pelo governo venezuelano para reforçar a ideia de que o país é uma vítima de agressão externa, solidificando seu poder em um ciclo de ação e reação.
4. Análise Integrada e Perspectivas Futuras
4.1. O Ciclo Vicioso da Crise
A crise na Venezuela é o resultado da interação entre uma estrutura econômica historicamente dependente do petróleo, uma má governança interna, sanções econômicas severas e uma oposição fragmentada. A má gestão histórica levou ao colapso do setor petrolífero, tornando o país vulnerável. As sanções exacerbaram a queda na produção e a hiperinflação, criando uma crise humanitária. O governo de Maduro utiliza as sanções como pretexto para a repressão política , enquanto a oposição, com suas estratégias falhas, fortalece o regime por inércia. A crise migratória é a consequência humana direta desse ciclo. A crise não pode ser atribuída a um único fator, mas sim a um ciclo vicioso onde cada elemento agrava o outro. As sanções causam sofrimento humano, que é usado pelo governo para justificar a repressão, o que, por sua vez, leva a mais sanções, em um ciclo que não parece ter fim.
4.2. Cenários e Desafios para o Governo Maduro
O principal desafio para o governo de Maduro em seu novo mandato será manter o crescimento econômico reportado e traduzi-lo em benefícios concretos para a população. A sua capacidade de “driblar as sanções” e atrair investimentos, especialmente no setor de petróleo, será crucial para o sucesso de seu terceiro mandato. Sem uma melhoria na qualidade de vida, a estabilidade política do regime poderá ser desafiada a longo prazo, apesar da aparente fraqueza da oposição.
4.3. Implicações Regionais e Globais
A crise venezuelana continua a ter implicações significativas para a região. A crise migratória sobrecarrega os sistemas sociais e de saúde dos países vizinhos , enquanto a Venezuela se mantém como um ponto de tensão geopolítica, com a presença dos EUA no Caribe e a influência crescente de Rússia e China na região. A complexa dinâmica entre sanções, retórica política e presença militar fará com que a Venezuela continue a ser um ponto focal de atenção global.
Conclusão
A Venezuela em 2025 é um país de profundas contradições, onde uma aparente estabilidade política coexiste com um colapso social e humanitário. O governo de Nicolás Maduro tem demonstrado habilidade em consolidar seu poder, explorando tanto suas alianças estratégicas quanto as falhas da oposição, que cedeu terreno político crucial ao optar pelo boicote. Ao mesmo tempo, a política de pressão máxima dos Estados Unidos, por meio de sanções econômicas, tem servido para exacerbar o sofrimento da população e fortalecer a narrativa do governo de que o país é uma vítima de agressão externa.
O futuro do país parece depender da capacidade do governo de sustentar um crescimento econômico que, pela primeira vez, beneficie a população de forma ampla, e da dinâmica de sua relação com as potências globais. Sem uma mudança fundamental na forma como a crise é gerida internamente e na abordagem das sanções externamente, a Venezuela continuará presa a um ciclo vicioso de deterioração socioeconômica, com a população civil arcando com o custo mais elevado.