A recusa em divulgar os termos de uma parceria tecnológica levanta preocupações sobre a transparência e o cumprimento dos princípios constitucionais.
O Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil voltou a negar o acesso público aos detalhes de um acordo de cooperação firmado com o Supremo Tribunal da China. A parceria, estabelecida em abril de 2025, tem sido objeto de escrutínio, mas a instituição mantém-se reticente em partilhar informações concretas sobre o seu conteúdo, mesmo perante pedidos formais ao abrigo da Lei de Acesso à Informação (LAI).
O Silêncio Institucional
A Revista Oeste solicitou recentemente acesso aos documentos que regem o acordo, procurando compreender a extensão e os objetivos da colaboração. Contudo, a resposta do STF foi descrita como “protocolar” e vaga. Além de ter sido enviada com um mês de atraso sem a justificação formal exigida por lei para tais prorrogações, a nota do Tribunal limitou-se a descrever o encontro como uma “visita de cortesia”.
Segundo a comunicação oficial, o vice-presidente do Supremo Tribunal da China, An Fengde, ter-se-ia reunido com o então vice-presidente do STF, Edson Fachin, para um intercâmbio de “informações gerais sobre o uso de novas tecnologias, em particular a Inteligência Artificial, pelo Judiciário”. O comunicado encerrava de forma genérica, sem fornecer as especificações técnicas ou os termos de compromisso firmados entre as duas cortes.

Padrão de Opacidade
Esta não é a primeira vez que o STF bloqueia tentativas de escrutínio público sobre esta matéria. Em agosto, o jornal Gazeta do Povo já havia recebido uma negativa semelhante ao tentar aceder ao teor da parceria. A reincidência na ocultação de dados reforça a perceção de um padrão de sigilo em torno das relações institucionais com o regime chinês.
Preocupações Jurídicas e Constitucionais
A postura do STF tem gerado críticas contundentes por parte de especialistas e juristas. Um ex-ministro do Supremo, ouvido sob reserva, alertou que a conduta da Corte corre o risco de ferir o princípio constitucional da publicidade dos atos da administração pública, consagrado no artigo 37.º da Constituição brasileira. “Compromete a transparência e o controle social de seus atos”, sublinhou o magistrado aposentado.
Vera Chemim, advogada constitucionalista e mestre em Direito Público Administrativo pela FGV, reforça que a retenção destas informações viola a legislação vigente. Segundo a especialista, num Estado republicano, a transparência deve ser a regra e o sigilo a exceção. Chemim destaca ainda que o atraso não justificado na resposta configura uma conduta ilícita à luz da Lei de Acesso à Informação, podendo acarretar a responsabilização dos agentes públicos envolvidos.
A insistência do STF em manter os detalhes desta cooperação longe do olhar público levanta questões pertinentes sobre a natureza do acordo e o uso de tecnologias de Inteligência Artificial no sistema judiciário. Num momento em que a tecnologia desempenha um papel cada vez mais central na justiça, a falta de clareza sobre parcerias internacionais especialmente com nações que possuem sistemas jurídicos e políticos distintos dos ocidentais alimenta a desconfiança e desafia os pilares da transparência democrática.















